... resolveu monologar;– tento rasgar o invisível que cerca meu intimo,
derrubar a parede que me impede de me conhecer
fico girando no espaço um satélite sem função sem
rumo acaba recuando no tempo me lembrando do que
enterrei faz muito, muito tempo, nem tua avó me
conheceu bem, nem meus mais falecidos íntimos
amigos, seria impossível, seria preciso saber algo
sobre a Romênia onde nasci, mas contasse tudo
seria uma história sem fim, um país balcânico,
Leste europeu, o único que depois da queda de Roma
destruída pelos bárbaros, não foi invadida por
eles e a civilização romana do imperador Trajano
ali permaneceu intacta, língua romena é
considerada a mais pura das línguas originadas
pelo latim, a religião é cristã ortodoxa, o país é
rico, petróleo, minérios, e grãos, a natureza é
bela, montanhas e planícies, o Danúbio o atravessa
e deságua num delta no Mar Negro, um imenso delta,
a luta pela independência constante contra os
Turcos, Russos e Húngaros história de muita
valentia, virou reinado no fim do século 19,
considerado país anti - semita, depois da Primeira
Guerra Mundial foi obrigado a emancipar os Judeus,
com o advento do nazismo aderiu ao movimento,
muitos judeus dali fugiram, a maioria ficou e
sofreu, a Alemanha derrotada o comunismo se
instalou, com a queda do Muro de Berlim a
democracia voltou ao poder e está prestes a
ingressar no Mercado Comum Europeu, a capital
Bucareste onde nasci é bela, arquitetura francesa
do século 19 ali impera imponente, muitos parques
e monumentos, avenidas largas,nasci em 30 de abril
de 1924, minha mãe Elena, meu pai Louis,
comerciante e industrial abastado e quando nasci a
iluminação publica era com lampiões a gás, e o
bonde puxado a cavalo, telefone da primeira
geração, luz elétrica em algumas residências,
dizem que a memória inicia na criança aos três
anos pouco me lembro, tenho flashes, não me lembra
da minha mãe grávida da minha irmã nem me lembro
do nascimento dela primeira lembrança eu e minha
mãe de mãos dadas numa avenida arborizada num cair
de tarde olhando os homens acendendo os lampiões,
outra, minha casa de dois andares no Bulevar
Ferdinando, ampla e confortável, vejo meu pai
caçar um camundongo, gozado, né?não me lembro das
minhas babás, sei com toda a certeza que eu e
minha irmã fomos muito bem “guardados” por babás e
governantas e por mãe super protetora, minha
primeira língua foi o alemão, as babás eram
germânicas, me lembro com exatidão do tremor de
terra eu sentado numa cadeira alta para criança, o
teto se movimentar e ainda vejo um móvel sair do
lugar, no verão a família viajava para o exterior,
Alemanha e Tchecoslováquia nas estações de águas e
dessas viagens apenas me lembro de um fato, eu me
livrando da governanta e correndo pra dentro de um
salão onde minha mãe dançava com um desconhecido
era comum naquela época dançarinos profissionais
para entreter as mulheres cujos maridos jogavam
nos cassino e eu puxando minha mão pelo vestido e
gritando em alemão: não deve dançar, não deve! com
certeza o Freud explica eu devia ter uns quatro
anos e aqui minha memória some e só reaparece por
volta dos meus seis anos e mesmo assim pouco
precisa me lembro que eu era gordinho,
desajeitado, minha mãe me sufocando com cuidados,
minha alfabetização foi feita em casa com
professora particular, o pré- primário todo assim,
ingressei no colégio dois anos mais tarde e só me
lembro do pátio da escola no inverno numa batalha
com os colegas com bolas de neve, lembranças
fragmentadas, primavera, eu e minha irmã no bosque
nos arredores de Bucareste correndo entre flores,
rindo e felizes, meus passeios nos parques sempre
vigiados por governantas, e das governantas só me
lembro de duas, uma suíça com seios enormes e de
uma belga de barriga esquisita, e essa belga
chamada de Madame Baum já passada de cinqüenta
tinha um sonho, voltar a sua terra e casar, e
voltou e casou, deu azar, casou com um safado que
roubou suas economias e sumiu, e da suíça me
lembro que me enfiava na sua cama e esfregava seus
seios felinianos na minha cara e gemia adoidado e
eu achava aquilo chato, cada coisa que acontece e
a gente só entende anos mais tarde, mas voltando a
Madame Baum me vem à mente outra cena grotesca,
alguns verões a família passava num balneário do
Mar Negro famoso pelo lago de lama que passada no
corpo faria milagres, e a Madame me levava com
minha irmã e a si se untava de lama, toda pelada,
e minha visão de mulher nua foi uma visão de
horror, barriga como de grávida, peitos caídos e
secos, pernas fina e bunda de manga chupada, um
pavor, mas de modo geral eu me dava bem com essas
coitadas , boas mulheres carentes e sofridas
lutando com a vida, a família já mudada para outra
casa palácio o que seria a minha ultima residência
antes de partir pra outra vida foi de onde retiro
mais memória, do motorista chamado Polack que eu
gostava muito e que faleceu de icterícia, das
empregadas, cozinheira e duas filhas, camponesas
da Transilvânia, falavam húngaro entre elas, e foi
uma delas que despertou em mim o sexo, desejava
ela, e quantos anos eu tinha? acredite se quiser
talvez uns oito, talvez dez, ....