Gigi e Myra
conversa entre irmãos

lunedì 25 gennaio 2010

mais um pedaço de Memoria Tumultuada


Arriscar a vida,
a integridade física:
o motivo é justo?
É sua obrigação?
As respostas são imprecisas, dúbias..


Na construção da
Hidrolétrica de Salto Ozório ......................................................................................

... Cinco mil operários trabalhavam em dois turnos, tudo perfeito, tudo sob controle, tudo no prazo, nenhum problema...Regularmente vinha um diretor da sede para inspecionar. Naquele dia houve um incidente durante a tarde, um operário fora morto pela milícia particular contratada pela dona da obra, a Eletrosul.
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Ilusão, operário é rude, solidário, haveria tumulto e, consciente disso, eu me entendera com o comando da milícia, para que seus subordinados se mantivessem calmos . O acordo fora aceito.
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Saí com o encarregado dirigi-me à praça de guerra. O ronco do motor irritava meus ouvidos, o veículo balançava com violência, minhas costas doíam, o pessoal da oficina nunca obedecia, ponham menos pressão nos pneus, eu recomendava, nada feito, em obra o que mais eu ouvia era sim senhor, ainda não descobrira se era burrice, teimosia ou indisciplina, mas isso agora pouco importava, sim senhor, sim senhor, era o que queria ouvir daqui a instantes, Deus faça-os obedecerem, rezava. Sim senhor, sim senhor, era o que eu balbuciava. ...
A zoeira das perfuratrizes trouxe-me à realidade,entrei no fusca, acionei o motor, as gralhas pousadas na cerca levantaram vôo e sumiram no meio dos pinheiros. O céu azul, desprovido de cortina poluidora, machucou-me a vista, o ar puro penetrou nos pulmões, tossi, acendi um cigarro, o estômago doeu, peguei o rumo da cantina, uma data projetou-se em minha mente. 12 de abril, o rio estaria na sua cota mais baixa, a segunda fase do desvio a ser executada, eu, o poder absoluto, faria acontecer, eu, o poder máximo, comandava cinco mil operários......
Minhas mãos crisparam-se no volante, a respiração ofegante fez-me jogar o cigarro pela janela, naquele preciso instante a sensação de felicidade envolveu-me com irresistível doçura...
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...Ao longe a visão noturna assustadora, dezenas de luzes piscando em meio à bruma do vale. Poeira? Não dava para distinguir, o martelar das perfuratrizes penetrava nos ouvidos, o ronco entrecortado dos scrapers e tratores completava a harmonia, com certeza, foi nesses sons que Schomberg se inspirou ao compor suas dissonantes sinfonias, ou talvez Thelonious usou-os nas suas peças jazzísticas, comecei a rir, diletante das artes, o pessoal zombava, não me incomodava, até gostava, a todo o momento eu citava escritores, compositores, diretores de cinema, era o modo que dispunha para espantar a reclusão. -- Que foi, doutor? Como explicar que deixara para trás centenas de CDs, estantes cheias de livros, dezenas de vídeos e viera isolar-me neste fim de mundo? Não saberia como....
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Meu pai impôs-me a sua autoridade. O dilema na minha alma de engenheiro errante e de meus reais anseios ainda perdura, pergunto-me se não cometi uma tolice ao lhe obedecer, a hipocondria que atola meu ser é insuportável, sinto-me acabado, meu sistema nervoso não foi feito para essa quantidade de afecções deprimentes, pouco estéticas, perco-me em mim mesmo... ........................................................................................................................................................................
... --Doutor, como vai acabar essa bagunça? Senti a boca seca, depois de dezenas de cigarros perdera o paladar......
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a estrutura da barragem despontava ameaçadora de dentro da rocha escavada, o ritmo incansável da concretagem, o som metálico dos vibradores, o vaivém dos scrapers na jazida, os tratores empurrando blocos de pedra, tudo pulsava ao redor, do fundo do canal de fuga sentia-me todo poderoso, tinha certeza, 12 de abril, 12 de abril......
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Doutor! - os meganha fuzilaram um dos nossos no acampamento. Eu tremia dentro da japona, o frio, o medo e a incerteza deixaram-me febril, minha existência, eterno desafio, não desafiou o seu pai e agora você quer se redimir, repetia sem cessar uma voz interior, infantilidade, você é maluco, quer atos heróicos, um possuído pela síndrome da auto-afirmação.......
Doutor, estamos quase chegando. As luzes do acampamento surgiram à frente, estremeci, o gulag está próximo, homens sem futuro e com passado duvidoso ali residiam, amontoados em quartos com beliches, sem lazer, sem mulher, homens que pegavam no pesado, e recebiam salário mínimo como recompensa, no entanto, eram o coração da obra, eu os entendia, mas nada fizera para mudar o statu quo, seguia as regras, eu também lutava pela sobrevivência.......
Doutor, olha o fogo, tocaram fogo..... O tenente da milícia recebeu-me cortês, senta doutor, permaneci de pé, o relato verbal foi sucinto, o elemento não obedeceu à ordem de parar, avançou ameaçadoramente em direção ao praça, este não teve alternativa e atirou, infelizmente, ocasionou a morte do elemento, mas, tenente, um embriagado? Seria fácil subjugá-lo, doutor, temos que impor a ordem.. .Consegui a promessa da milícia de permanecer no quartel nas próximas vinte e quatro horas, o confronto tinha que ser evitado. A caminhonete atravessou o portão, parou no pátio, saltei. Sete Léguas, o baixinho, espécie de mascote, puxou-me pela manga, doutor, socorro, vi o sangue escorrer pela sua face, olhei ao redor, rostos amedrontados fitavam-me, doutor, eles bateram em nós, nós dormindo, nós que tavam no chuveiro, na casinha, em todos, todos... Vidros estilhaçados, portas arrombadas, um vaso de louça partido, a luz morna , levem os feridos para o hospital e apaguem o fogo, ordenei, não ouvi o sim senhor, aproximei-me do destacamento, mosquetes em posição de tiro, o tenente à frente de arma em punho......Fizeram arruaça, doutor, rece...
Quis voltar ao passado, mas qual dele? ... Voltar é sempre ruim, o caminho através da porta da mente é doloroso, teria que viver mais vinte, trinta anos, para que eu pudesse saber quem eu era, porque me encontrava aqui nesse preciso momento, o mundo que cresci era melhor do que esse em que vivo hoje........
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...bemos ordem , tivemos que controlar a situação...
Senti medo, vi os operários aglomerados ao redor, não haviam rostos amedrontados, apenas curiosos, alguns sorriam, o verdadeiro inimigo era eu, candangos e milicianos eram a classe inferior, os oprimidos.
Eu representava o patrão, era o responsável pelas suas vidas miseráveis, alçapão do destino, ...... acendi um cigarro, queria ganhar tempo..........
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...... já me disseram inúmeras vezes "cara, vê se te manca, tua cara agride...". Eu tentara debater o incidente da tarde, desconversaram, isso acontece, não esquenta, obra é assim, coisas da vida... Duas tragadas no cigarro, joguei-o no chão, pisei em cima com a bota.-- O combinado, tenente? Grossos bigodes desafiavam.... Viraram um carro.... Não me parece que agiu de modo inteligente, respondi .... --
Desculpe-me o palpite talvez meu pessoal tenha exagerado... Minha posição, eu sabia, enfraquecera, senti meu rosto tenso, a roda de homens aumentava, o olhar dos candangos era mais incômodo que a arma apontada. Eu, o perdedor, o bobo da corte, merecia estar nesse fim de mundo, isso é ser engenheiro? Não fui talhado para ser John Wayne, Gary Cooper, é meia-noite, não é meio-dia, droga, isso é hora para pensar em filme? Olhei por cima dos ombros do homem à minha frente, um pelotão de vinte meganhas, cassetete numa mão, mosquete na outra, rostos indecifráveis na sombra dos capacetes, não tinha dúvida, obedeceriam cegamente à qualquer ordem, serão analfabetos? Com certeza, de onde são? Irmãos de origem e da ignorância em confronto, eu, o intelectual, regredindo à primata, de que lhe serve todo esse saber? Vi-me estendido no chão, sombras em volta, cochichos, não quero padre, não... O som seco do engatilhar assustou-me....
Tenente, guarde sua arma. Ouvi tosses, ouvi risadas, o homem à minha frente parecia divertir-se, coloquei a mão sobre a arma apontada, por favor, tenente, o suor escorregou da nuca dentro da camisa, isso não é jogo de pôquer, seu idiota, pensei...., os ruídos longínquos da obra não são trombetas dos santos alados, desista, ninguém liga para essa baboseira, senti-me um tolo, apertei os dedos, a mão armada cedeu, virei o rosto, deu tempo ao tenente para guardar o revólver......
Tenente, manda seu pessoal baixar os mosquetes. O cerco dos homens cada vez mais próximo sufocava-me, o odor de suor e cachaça entrou pelas minhas narinas, senti ânsias de vômito..... Tenente, obrigado, agora dê ordem de meia volta, volver. Pés arrastaram-se sobre pedriscos, o odor de suor e cachaça mais próximo....
Tenente, o pessoal tá cercando. Sim senhor, sim senhor, voz solitária, depois mais outras, todos em coro, tive vontade de gritar "Parem! Parem! Não agridam!". Mas permaneci calado, imóvel, sabia que a exclamação coral não passava de deboche jocoso dirigido a mim, sorri, ainda vou levar a melhor. Olhei o relógio, duas da madrugada, faltavam cinco horas para a mudança de turno, escutei a ordem dada pelo tenente, vi a tropa retirar-se em silêncio pelo corredor humano aberto no meio dos operários, esperei o último meganha sumir na noite, coloquei um cigarro entre os lábios, apaguei a chama do isqueiro, chamei um dos encarregados: Junta o pessoal!
Sim senhor.....
Todos pra revezar o turno da noite!
Mas, doutor, se me permite... O movimento da minha mão calou-o. Todos! Sim senhor! Joguei o cigarro aceso no chão, apaguei-o com a bota, fora um aperto, mas tudo estava resolvido.
Voltei à casa de hóspedes.................................................. ........................................................................
Como foi? Ouvi, não respondi. ..... fui para a minha choupana.
Orgulho-me para sempre desta noite, foi em 1973.

2 commenti:

  1. myra!

    Mais um pouco de uma história de vida intensa.
    Obrigada por compartir!

    Um beijo

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  2. obrigada a voce por vir aqui ler pedaços do livro de meu irmao, gostaria de colocar o livro inteiro mas nao é possivel...
    beijos para voce de nso dois

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