mercoledì 20 gennaio 2010
meu pai - Memoria Tumultuada
Jogo é vício, pecado capital,
danação, coisa do demo,
quem o pratica é um fraco,
meu pai, jogador inveterado,
fechou as portas do inferno,
levou a família ao paraíso,
por trilhar cassinos pecaminosos.
Havia uma lacuna nas minhas lembranças, ou melhor, na história de minha família: a viagem de Bucareste até o Rio de Janeiro. Eu não estivera com meus pais e minha irmã nesse trajeto e, fato inexplicável, nunca me interessara e nunca ouvira nada a respeito. Pedi à Myra, para me relatá-la. Agora tenho o que precisava.
Meu pai era um jogador contumaz. Jogava muito carteado, nos cassinos e nas viagens, um vício por muitos considerado a perdição que o levaria ao desastre, a alguma tragédia. Mas no caso dele foi a salvação.
Em Bucareste, o clube "Libertatea", freqüentado por muitos gentios e judeus, era onde ele era mais assíduo, e, como além de jogador, era um camarada muito accessível, fazia amizades com facilidade. Numa noite, inesperadamente, a campainha de nossa casa tocou. Um desses amigos, que tinha um posto relevante na Polícia, da porta falou apressado "Landau, vou levar vocês até o Orient Express, já! Você está encabeçando a lista, os nazistas da Guarda de Ferro amanhã começam a matança de judeus!". Parece que meu pai não acreditou muito, mas minha mãe, conseguiu convencê-lo e fizeram as malas. O amigo não deixou acordar as empregadas, nem permitiu que meu pai se despedisse de sua mãe, pelo telefone. Tenho certeza de que foi muito doloroso para ele, que a adorava.
O judeu é previdente, tem que ser, sempre viveu em fuga, desde o Egito dos Faraós. Havia dinheiro em nossa casa, havia barras em ouro e em moedas e muitas jóias, dinheiro não traz felicidade, pode ser, mas salva vidas. Em Paris hospedaram-se, como sempre, no Hotel Scribe, mas pouco permaneceram ali, os alemães aproximavam-se. O trem levou-os a Biarritz, a cidade superlotada, foi difícil conseguir alojamento em hotel. O velho, segundo o relato de minha irmã, viajava diariamente a Bayonne, tentando conseguir visto para entrada em Portugal e "permis de sortie" da França. Ouvia como resposta "Sales juifs, vous resterez ici a crever!" ("judeus imundos, ficarão aqui para morrer!"). O velho corria desesperado de um lado para o outro, o dinheiro não estava adiantando. Cauteloso, comprou um carro a gasogênio para qualquer eventualidade. Num bendito dia ouviu seu nome chamado, alguém o reconhecera, santo vício da jogatina, ele jogava pesado nos cassinos, era figura conhecida, o homem falou "Monsieur Landau, que faites-vous ici parmi tout ce monde?" ("Senhor Landau, o que faz aqui no meio dessa multidão?"). O anjo salvador, cônsul de Portugal, facilitou e ajudou na permissão de saída da França e com o visto para Portugal.
Sem dirigir a anos -- nunca vira meu pai ao volante, sempre tivemos motorista -- ele juntou a família e guiou até Saint Juan de Luz, fronteira com a Espanha, onde abandonou o carro e comprou passagens de trem. Viajaram sem conforto até Coimbra. Tempo depois, mudaram-se para Lisboa e depois de um pequeno empecilho -- resolvido com cinco mil dólares por pessoa presenteados a quem daria o visto para o Brasil -- e um grande gesto de coragem do Velho -- correndo o risco de colocar tudo a perder, ao recusar-se a redigir uma carta dizendo-se, ele e a família ser de credo não judeu, e sim protestante. Meu pai, com muita coragem, manteve-se firme às suas origens e Jeová o recompensou. Tudo foi resolvido com competência, depois de uma espera de meses, o embarque no navio, rumo à nova Terra Prometida.
Simples, não é? Apenas uma viagem, o quê tem isso de extraordinário?Tem sim, muito, tem o fato de meu pai ser o homem que foi, previdente, astuto, incansável, corajoso, e, ainda, ter a sorte de ser um tremendo ás da jogatina. Hoje tenho certeza, que por eu não ter participado da odisséia familiar, perdi muito, distanciei-me deles, não aprendi a conhecer meu pai nos seus melhores momentos, apenas nos piores. Talvez agora eu possa explicar nossos desencontros, explicar sua mudança no modo de ser, ele deve ter-se esgotado ao salvar a família, a saudade da mãe, deixar para trás uma vida de trabalho bem sucedido, posses adquiridas com muito suor, lembranças de infância, muitos amigos, na meia idade isso é terrível. Difícil recomeçar tudo de novo, a coragem não é infinita, o destino ajuda, a sorte aparece na hora exata, mas tudo é cobrado, tudo tem um preço, nada é de graça, disso hoje tenho certeza absoluta. Eu também paguei, disso já falei bastante, mas ainda devo, devo muito, devo o amor que nunca soube dar ao meu Velho, minha imensa tristeza e o meu pior remorso. Como lhe falar isso agora? Adonai, ajude-me! "Ness gadol haiá sham". Um grande milagre ocorreu.
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Myra,
RispondiEliminaEle sempre me impressionava, por ter lembranças das muitas vivências. Lembranças nos mínimos detalhes.
Lembranças que ele não soube ao longo da vida resignificar para viver com mais tranquilidade. E se cobrava demais.
Um homem forte, que aprendi a admirar.
beijo
Agradeço-lhe as palavras lá no meu blog, Myra.
RispondiEliminaEstes últimos dias quase não tenho tido tempo para a Internet e o tenho gasto quase apenas para responder comentários e, quando possível, postar algo. Por isso estou devendo visitas, inclusive aos seus blogues.
Vejo que você colocou muita coisa desde a minha última visita. Espero ter tempo para colocar a leitura em dia.
A propósito: se você quiser pode colocar no blog o meu poema dedicado ao Iosif que foi publicado, em 2002, no livro “Anomalias”. Está abaixo:
Fado
Para o amigo Iosif Landau
na selva de asfalto concreto e aço,
na rotina da luta pela sobrevivência,
não há força além da aparência
nem paz a quem abraça o cansaço.
pouco a pouco, sem que percebamos,
vestimo-nos com essa vã armadura
e poucos se dão conta da loucura
onde, desde a infância, navegamos.
assim, perdidas as afeições humanas,
amesquinhamo-nos na individualidade
e iludimo-nos buscando a felicidade
nas celas estreitas das nossas cabanas.
mas há os que transcendem este fado
no abraço fraterno do amigo resgatado
Beijos.
Meus queridos Paula e Fred, obrigada pelas suas palavras, fazem bem ao meu irmao e muitooo bem a mim...
RispondiEliminaFred , sim vou colocar o seu poema, dentro de uns dias, vou esperar um pouco para ver se alguem mais le os ultimos escritos daqui, beijos aos dois.
myra!
RispondiEliminaLi emocionada cada linha e sei o quanto a vida é um jogo de perdas e ganhos,ainda bem que estás conseguindo resgatar em tempo estes "ganhos".
Um beijo
Que maravilha essas histórias de vida e resgatá-las é sempre bom.Nas famílias há sempre os momentos assim de resgate.beijos e tudo de bom, fico triste que tenhas perdido algumas fotos no blog. Eu tb. pouco sei e estou em férias, com muitss dificuldades de acessar!beijos,te gosto muito,chica
RispondiEliminaMyra, Iosif representa a literatura do mais alto nível! Continue com o bom trabalho de divulgação dos textos dele, pois nós, os leitores, estaremos sempre por aqui.
RispondiEliminaamigos e amigas, obrigada a vcs por dividir este lugar conosco...
RispondiEliminabeijos de nos dois,